sábado, setembro 10

maré cansada.

O sol lançou seus raios, como faz todo dia. Ela pisou forte, com a força que ainda lhe restava, prosseguiu. Caminhou alguns trechos e chegou ao seu destino. sentou-se. Não havia muito a se fazer desde que... não, não. Isso são águas pra outras marés. Sentou-se, basta dizer isso. esperava distraída, ao lado de alguns amigos, a chegada do horário de suas atividades. Ele chegou. Olhou-a com um olhar secreto, rápido e talvez até disfarçado. Sorriu então um sorriso atrasado, do seu melhor jeito. Cortou-lhe então o coração. Sim, o sorriso dele cortou o coração dela. Esperou que o fluxo de suas águas voltassem ao normal, não voltaram, mas conteve-se. Abraçaram-se como se abraçam amigos que não se vêem a certo tempo. Não se viam a dias, ela estava mal, ele não sabia, conteve-se. Através das conversas, dos assuntos, das idéias, gestos esboçavam desejos, delineavam inclinações, já era tarde. A maré recolhia-se, estava cansada.

quarta-feira, 26 de maio de 2010 17:21

terça-feira, abril 5

de amor y de casualidad


Cabelo negro escorrido, cobrindo a nuca, cobrindo desejos.
Já de longe via atravessares o campo. Não por meus olhos, não deixarem nada escapar, mas por você ser quem tu és, pelo magnetismo de todas as nossas ações, pólos opostos se atraindo mutuamente. Pros meus olhos, ao olhar lançado, você olhou também e uma imensa agonia nascia em mim. Era você se espalhando aqui dentro.
Incessantemente, o acaso não cansava de dançar, trazia ao ritmo você pra mim, trazia uma conversa casual entre nós, regada de euforia cujo qual tentávamos disfarçar e quando não, riamos um pouco constrangidos. A mão fez o convite que a boca aguardava.  Entre os movimentos dos lábios, o desejo ardia e no ápice do prazer, já não sabia o que era meu corpo e o que era o corpo dele. Entre todos os movimentos, agora ali parados, deitados na cama, conversávamos sobre casualidades e situações de outrora, mas ele dizia com os olhos mais do que acreditava dizer, ao meu gesto, acariciar aqueles cabelos indígenas ou tocar aquela face fenotipicamente latina. Setenta e duas horas de deleite, e o acaso nada poderia fazer agora, hora da despedida, hora de quebrar toda aquela sincronia preestabelecida. E o que nos uniu como desejo, separariam nos como solidão.  Vejo-te agora apenas em sonhos, quando tu vens vez ou outra me amar.

segunda-feira, março 14

Whatever will be, will be.

Passara a manhã toda tão presa a seus afazeres que esperava a noite com certa ansiedade, desejava veementemente uma boa noite de sono, encostar a cabeça no seu travesseiro e descansar, desfazer-se da rotina do dia. A escuridão lhe soava tão melhor. Eis então, que tirado a roupa correu direto em direção à ducha, ensaboava-se com certa agilidade, vil. A necessidade da pureza tomava conta de sua mente, não desejava sentir no corpo o cheiro alheio. Desejava não sentir nada. A água caia inóspita sobre si e uma voz emergia mentalmente gritando “-Cala-te, escuta teu coração!” soava tão irritadiça, que assustava. Ali ainda de pé diante ao espelho, percebeu como despir a roupa era tão fácil, bastava-lhe um gesto, e toda a ação estava realizada, mas quanto a despir a alma, parecia algo tão absurdo e pouco conquistável, conhecer a si mesmo, transparecer, não acreditava ser possível. Não acreditava também que conseguiria se desfazer do dúbio e compreender seus próprios sentimentos, mas sabia que seria contrária a qualquer instituição que a privasse de sua própria liberdade. Sabia reconhecer seus próprios dramas, seus próprios abismos, e as certezas moravam bem longe de onde se encontrava. Certa vez, dissera: “nós” numa frase corriqueira do cotidiano, mas a profundidade estava ali, queria ser vista. Pronomes eram seus inimigos, especialmente os possessivos, não possuíra nada, tampouco outro ser humano. A infelicidade do dizer tirou algumas noites de sono, impediu-a de reconfortar a cabeça e o corpo. Mas queria sim, de fato, o corpo dele, o amor dele, tudo que aspirado em liberdade se pudesse obter. A ambivalência dos pensamentos maltratava o coração. O amor nos divide de tal maneira que às vezes soa imperceptível, mas as rachaduras estão lá. Havia tantas perguntas, e a cada nova resposta o inicio de algumas outras tantas. Não esperava rosas ou juramento de amar-até-que-a-morte-nos-separe, pedia apenas coisas pequeninas e singulares, como um beijo no olho, pedia apenas o cotidiano e as verdadeiras agonias, a solidão. Se fosse simbólico, seria simbólico de uma forma particular, sem nenhuma instituição a alienar o desejo de liberdade experimentado por ambos, que nada que fosse pré-definido os representasse. Havia tão pouco a se fazer, deixou então o acaso fazer cantarolar a sua música predileta de “O que tiver de ser, será”.

quinta-feira, março 3

Nostalgia de Carnaval

Marcava às nove horas de uma quinta-feira de Carnaval.  Janela a fora havia sons, ansiedade e rostos traduzindo alegrias. Era Carnaval, todos sabiam. A cidade organizava todas as suas cores em muros, roupas, casas e avenidas. Aqui dentro, havia certa calmaria que outrora viraria estremecimento, tempos passados. Mas o desejo falava forte, a nostalgia e o gosto estavam tão presentes, que poderia dizer que era real. Às nove horas de uma quinta-feira de Carnaval, deveria estar chegando à casa de tons alaranjados que tinha em Pernambuco. Deveria estar cansada. A noite se jogaria na cama e teria lembranças do sol, de ter passado à tarde em água do velho Chico, mergulhando e olhando atentamente as pedrinhas que habitavam ao chão do rio, nada poderia ser mais importante do que viver e re-viver aquela cena inúmeras vezes, saber apreciá-la, ali nada poderia ser mais importante, mas cá estava a tantos quilômetros de distância e a mente não poderia se aquietar, a densidade do momento falaria mais alto, era Carnaval.

quarta-feira, fevereiro 16

A fé de Psiquê

Não era como entoava a voz, ou como selecionava as palavras para um discursos, a dor se alojava ao canto do olho, que cintilava em naturalidade. Ela já pensava que sua fé jamais seria a mesma, tão intocável, tão inatingível, simplesmente destruída. O tempo andara sendo mais que narrador dos seus passos, era também uma espécie de arqui-inimigo. A dor vinha em suas inúmeras formas se manifestando e dominando, avisando de quem haveria de ser o senhor. Psiquê pensava enquanto acariciava o gato medonho, cujo qual ela havia salvado, que estava deitado no seu leito. Encontrava-se no chão e os pensamentos na altura. O último baluarte fora atacado, aquilo era o fruto do que havia plantado? Indagava a si mesma constantemente a mesma pergunta, não se sabe quem poderia responder, talvez o seu parceiro de vida tão traidor - O Tempo - pudesse. Até que a um certo instante tudo ficara claro em sua mente. Tratava-se de um pensamento análogo as ostras. Pequenas estruturas sólidas com aberturas miudinhas permeáveis, que vez ou outra entravam-lhes corpos estranhos. Isso era ela. Lembrou-se de como tudo acontecera, essas invasões de corpos e sentimentos indesejados dentro de si. Mas eram sim, aquelas mesmas pequenas partículas que a transformavam em algo raro, algo valorizado, que se valorizava. Reverberou e por fim sua falta de fé, seu momento de desafeto e incompreensão ao mundo, resultou em felicidades. Eram aqueles sentimentos ingratos que a faria ser a melhor de todas, a mais especial. Nunca mais questionaria sua fé, porque foi justamente em um momento de incompreensão que percebera que perder-se também era o caminho para a perfeição, bastava moldar-se. 

Para Manuella Logrado.

domingo, fevereiro 13

Feliz aniversário. Envelheço na cidade.


Dezenove verões se passaram desde o seu nascimento, um parto complicado, levou um certo tempo para nascer, mas eis que veio ao mundo, alardeando sua chegada com mecanismo que competem a sua existência. Era um recém-nascido e uma idéia que nascia uma idéia. A maiêutica definindo-se. Dezenove anos depois carregava dois apóstrofos tatuados em tinta incolor nos ombros, definindo a autenticidade de suas idéias. Ah! Era um ser humano. Carregava o mundo nas suas costas ao mesmo tempo em que o próprio a carregava de problemas,  e com o mundo, ela envelhecia. Fosse a idade ou a cachaça que carregava na mão, gritavam-lhe verdades. Estava perdida, perdida em um mundo em que todos sabiam se temperar muito bem. Nas horas, nos minutos, a sentença, sua idade dizia: Venha viver novos ciclos, aproveite o que ainda dá tempo de ser aproveitado. E naquela singela frase, um aviso importante sobre como tudo teria sua hora. A cidade lhe oferecia muitos encantos e ilusões e nos futuros anos de vida o desejo seria de somente se apegar ao que fosse mais sincero, ao que sangrasse mais.  A maturidade apressou-se.


terça-feira, janeiro 25

Navegar é preciso; viver não é preciso

Não precisou ter uma noite de sonhos inquietantes, o pesadelo estava vivo.  Poderia dividir a vida em duas partes extremamente opostas: Viajar e viver. Corria desordenadamente em busca de seus pertences que se encontravam dispersos por toda a casa, havia poucas horas para organizar tudo que era de cunho material. De cunho material. A consciência, quem poderia organizar? Colocou tudo que podia numa mala preta, sua caixa de pandora particular. Faltava então muito pouco para partir. A euforia percorria seu corpo, já com certa intimidade, surgia ali um pouco de alívio também, deixaria aquela cidade e os tormentos que nela se encontrava, ia de encontro agora a novos relevos para apaziguar a alma. Aprendera muito bem quando estudara a escola literária romântica sobre o escapismo, desde então se tornou sua palavra mais do que predileta, não havia de ser coincidência.
A vida andara sendo muito cruel, e tentava ao seu máximo agarrar-se a fagulhinhas de fé que surgiam dentro de si, mas não haveria de ser fácil. A única certeza que tinha, que ainda lhe acalmava, era de que a cada dor maior, mais perseverante ficava. Repetia o monólogo interno:
– É preciso deixar ir, é preciso deixar ir. Viver e deixar morrer.
Chegou ao seu destino, finalmente. Reverberou, reverberou enquanto via a lua subir ao ponto mais alto do céu fluminense, refletindo sua luz nas águas daquela baía. Paz reinara em sua mente, estava tudo calmo. Um amigo, parido da mesma terra que outrora havia lhe parido também, a interrompera. Trazia nas mãos uma garrafa de vinho, na boca um sorriso de embriaguez. Sentou-se ao seu lado e as vozes iniciaram uma conversação:
Ele: É como se ainda estivéssemos aprisionados na caverna, julgando as coisas só pela sombra.
Ela: Platão esteve certo o tempo todo.
Ele: Às vezes é angustiante isso, mas talvez ‘A Caverna’, estar preso na escuridão, não seja de todo ruim. Talvez se nós soubéssemos tudo, visemos às coisas como realmente são em sua claridade e não em sombras, não saberíamos apreciar o que nós temos.
Ela: Eu só anseio a liberdade.
Muito longe de casa, a água e o vinho, a presença do ombro amigo avisava que no mundo, havia outros que também sofriam. Vinha o silêncio, vinha o vento. Traziam a sensação de deriva. Já era hora de viajar, outros cais precisavam lhe receber. Deixou na areia tudo que a aprisionara até então.